terça-feira, 7 de julho de 2009
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quinta-feira, 2 de julho de 2009
Criação poética
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.
Outros, felizes, sejam os rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
domingo, 28 de junho de 2009
Ressurgiremos
Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos
E em Delphos centro do mundo
Ressurgiremos ainda na dura luz de Creta
Ressurgiremos ali onde as palavras
São o nome das coisas
E onde são claros e vivos os contornos
Na aguda luz de Creta
Ressurgiremos ali onde pedra estrela e tempo
São o reino do homem
Ressurgiremos para olhar para a terra de frente
Na luz limpa de Creta
Pois convém tornar claro o coração do homem
E erguer a negra exactidão da cruz
Na luz branca de Creta
Sophia de Mello Breyner Andresen
O Poeta é o Portador
O Poeta é um portador. Carrega tudo,
Mas ele mesmo é a carga e o encarregado,
Tal na aldeia dos sãos, é o surdo-mudo,
Cheio deles e de si, triste pasmado
A força do Sentido o faz escudo
Do fogo que não pode ser roubado
Enquanto ofereça o coração agudo
À guerra que nasceu para soldado.
Sua coragem na palavra o espera,
Aguardado silêncio pensativo,
Como a hora que a torre negra dera.
Além da meia-noite e antes da hora
Prima, que a madrugada álgida chora,
Lágrima a tempo, átono som cativo.